Depois de uma segunda sessão plenária marcada por acesos debates, encerrada
às 21h30 na última quinta-feira (02/02), a maioria dos ministros do Supremo
Tribunal Federal reforçou a competência do Conselho Nacional de Justiça para
processar e punir magistrados. Por 6 votos a 5, a Corte manteve a validade do
núcleo da Resolução
135/11
do órgão de controle externo do Judiciário, objeto de ação de
inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, e
cuja liminar fora concedida pelo relator, ministro Março Aurélio, em dezembro
último.
A AMB contestava a competência "originária e concorrente" do CNJ nos
processos administrativos disciplinares e na a aplicação de quaisquer
penalidades previstas em lei, independentemente da iniciativa das corregedorias
dos tribunais (artigo 12 da Resolução
135).
Para o advogado da entidade dos juízes, Pavie Ribeiro, a matéria tratada na
resolução não estava dentre as competências constitucionais do CNJ, sendo "ou
matéria de competência privativa dos tribunais - quanto às penas de censura e
advertência - ou de competência privativa do legislador complementar (Lei
Orgânica da Magistratura)- quanto às penas de remoção disponibilidade e
aposentadoria".
Julgamento começou na quarta-feira e se estendeu até esta quinta-feira no STF
Negaram referendo à liminar concedida por Março Aurélio - no que se refere ao
principal artigo da resolução - os ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa,
Ayres Britto, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Rosa Weber. Ficaram vencidos, no todo
ou em parte, além de Março Aurélio, os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski,
Celso de Mello e Cezar Peluso. Eles defendiam o ponto de vista de que o CNJ tem,
sim, pela
Constituição,
o poder de avocar processos disciplinares em curso nos tribunais, mas que devia,
pelo menos, dar as razões pelas quais tomava tais iniciativas, em respeito ao
princípio da subsidiariedade
Estreia
Na sua efetiva estréia em plenário, a ministra Rosa Weber ressaltou, em seu
voto, que a Emenda Constitucional
45/2004,
ao criar o CNJ, teve por objetivo "conferir novos arranjos a desenhos
constitucionais desgastados e inócuos a seus fins". A seu ver, não se pode falar
em usurpação da competência dos tribunais e do Legislativo quando - não estando
ainda em vigor o novo Estatuto da Magistratura - o CNJ regulamenta matérias até
então sediadas na Lei Orgânica da Magistratura (
Loman)
e nos regimentos internos dos tribunais.
Ela acrescentou que na resolução do CNJ em julgamento não houve "quebra ou
risco de quebra do Pacto Federativo". E concluiu que a Resolução
135
foi editada dentro dos limites da competência constitucional do CNJ, que é
"originária e concorrente, e não apenas supletiva e subsidiária", quando se
trata de procedimento administrativo disciplinar. Além disso, considerou que as
iniciativas correcionais do CNJ independem de motivação expressa.
Enfáticos
Os ministros mais enfáticos na defesa da intervenção mais drástica do CNJ e
de sua Corregedoria Nacional nas corregedorias dos tribunais foram Gilmar
Mendes, Ayres Britto e Joaquim Barbosa.
O primeiro - que já presidiu o CNJ quando presidia o STF - chegou a afirmar
que "até as pedras sabem que as corregedorias dos tribunais não funcionam quando
se trata de investigar os desembargadores". Joaquim Barbosa defendeu a "absoluta
primazia" do CNJ no controle do Poder Judiciário, já que qualquer órgão com
poder de atuar "de ofício" não pode ser "subsidiário" ou "supletivo". Ayres
Britto afirmou que "o CNJ não pode ser visto como um problema, mas como uma
solução para o bem do Judiciário".
De nada valeram as observações do atual presidente do STF e do CNJ, Cezar
Peluso, de que a função do órgão de controle externo do Judiciário não é "acabar
com as corregedorias (dos tribunais), mas remediar a situação daquelas que não
funcionam como deviam".
Julgamentos sigilosos
No início da sessão desta quinta-feira, ao analisar outros dispositivos da
Resolução
135
do CNJ, o STF rejeitou, com base no voto do relator, a pretensão da AMB de
invalidar o artigo 20 da Resolução
135
que tornou públicos os julgamentos dos processos administrativos disciplinares
contra juízes e desembargadores em vias de serem advertidos ou censurados.
Ficaram vencidos os ministros Cezar Peluso e Luiz Fux, para os quais o sigilo
deveria ser observado em casos excepcionais.
Ao proferir o seu voto, Março Aurélio reafirmou o que já adiantara no
despacho inicial: "O respeito ao Judiciário não pode ser obtido por meio de
blindagem destinada a proteger do escrutínio público os juízes e o órgão
sancionados. Os juízes não podem eximir-se da fiscalização da sociedade. As
decisões em processos disciplinares que envolvem juízes devem ser tomadas à luz
do dia. O sigilo imposto com o objetivo de proteger a honra dos magistrados
contribui para um ambiente de suspeição". Lembrou ainda que o princípio da
publicidade nos processos judiciais - e também nos administrativos - foi
definitivamente consagrado pela
Constituição
vigente.
O ministro Luiz Fux foi o primeiro a divergir do relator, tendo em vista a
existência de casos em que deveria prevalecer o princípio do "respeito à
dignidade". Argumentou que o Estatuto da Advocacia prevê que processos
disciplinares para apurar faltas graves de advogados tramitem em sigilo, da
mesma forma que a Lei Orgânica do Ministério Público em relação a seus membros.
Cezar Peluso concordou em parte com Fux, na defesa da regra geral da
publicidade, mas mantida a possibilidade de exceções previstas na própria
Constituição.
Peluso e Fux basearam-se no inciso 9 do artigo
93, segundo o qual "todos os julgamentos serão públicos,
podendo no entanto a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação".
Mas os demais ministros referendaram a decisão do relator nesse ponto. Ayres
Britto chegou a dizer que "a cultura do biombo foi excomungada pela
Constituição
vigente". E Celso de Mello que "a ideia do sigilo foi banida do novo texto
constitucional".
Assim, a maioria votou no sentido de que deveria prevalecer - a favor do
dispositivo da Resolução do CNJ - o inciso 10 do artigo
93 da
Constituição:
"As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública,
sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros".
REPRESENTAÇAO
O plenário manteve o artigo 9º da Resolução
135
- também contestado pela AMB - que permite a "qualquer pessoa" noticiar ao CNJ
irregularidade praticada por magistrado, exigindo-se apenas formulação por
escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do
denunciante. Março Aurélio destacou no seu voto que o inciso 34 do artigo
5º
da
Constituição
assegura a todos "o direito de petição aos poderes públicos em defesa de
direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder".
Autonomia dos tribunais
A questão da autonomia dos tribunais em matéria regimental em face do CNJ
começou a ser apreciada quando se analisou o artigo 10 da Resolução
135,
que prevê o prazo de 15 dias para recurso ao tribunal contra "decisões referidas
nos artigos anteriores" por parte do autor da representação.
O relator Março Aurélio entendeu que o CNJ não podia "instituir, em caráter
geral e abstrato, recurso no procedimento disciplinar em trânsito nos tribunais,
sob pena de ofensa à reserva de lei complementar para reger o procedimento
disciplinar". Mas ficou vencido, juntamente com os ministros Celso de Mello,
Luiz Fux e Ricardo Lewandowski .
Fonte: Jusbrasil - Ministério Público do Amazonas